Nova série
ano IV
Março 2013
ISSN 2177-2673

Número
10

Editorial

 

Opção Lacaniana online avança, como demonstra seu sumário ao modo CQD, cada vez mais antenada no diálogo do psicanalista cidadão com a contemporaneidade.

Apesar da legalização da união entre pessoas do mesmo sexo não ter feito muito barulho no Brasil e ter passado na surdina (Forbes, LQ n.270), o caderno Aliás do Jornal o Estado de São Paulo do dia 20 de janeiro dedicou grande parte de seu espaço para fazer repercutir o grande rebuliço ocorrido em Paris, a partir das manifestações hostis dos religiosos contrários ao projeto de lei do governo socialista do Presidente francês, François Hollande, pela legalização do casamento entre homossexuais, conhecido como 'casamento para todos'.

Com uma manchete que dizia "Exaltação dos ânimos", acompanhada pela matéria “A marcha da família?”, a reportagem mostrava várias fotos da manifestação que acordou os parisienses no frio domingo de 13 de janeiro de 2013. Estas enfocavam os cartazes da manifestação com dizeres tais como: “duas mamães sem papai não é a igualdade de direitos”, ou “Cadê seu pai?” e “Cadê sua mãe?”. E, como sempre, a análise do tema foi feita por um lado, por uma ex-feminista alinhada ao Vaticano, Lucetta Scaraffia, e, por outro, um sociólogo alinhado ao desafio da modernidade expresso na proliferação das novas famílias, Ricardo Mariano.

Segundo a matéria, a Paris da juventude rebelde e dos intelectuais arredios às coisas de Deus confere visibilidade ao movimento político, embora os manifestantes tenham sido os religiosos em marcha contra o casamento gay.

O carro-chefe desse número é o texto "Casamento homossexual, esquecer a natureza", de J.-A. Miller, que se opôs veementemente à instrumentalização da psicanálise nesse movimento hostil ao projeto de lei socialista. Prova disto nos fornece Éric Laurent ao comentar com horror como podem ter metido Lacan como garante de uma ordem imutável, quando este apreciava de maneira crítica a abordagem freudiana do "complexo de Édipo", advogando pela complexidade das famílias, divorciadas e recompostas.

Nessa sucessão vemos todos os desdobramentos possíveis, igualmente importantes, da diferença sexual quando colocada de boa maneira pela psicanálise, neste número, que, em boa hora, nos convoca a suspendermos o preconceito, em nome da psicanálise.

É o preconceito – ou seja, a homofobia – que, segundo Ricardo Mariano, os movimentos religiosos tendem a legitimar, afirmando que o projeto de lei 122/2006 (que propõe a criminalização da homofobia) provocou diversas reações contrárias e homofóbicas de grupos cristãos, principalmente evangélicos. Entenderam com isto que haveria intenção dos homossexuais de estabelecer uma “ditadura gay”, mobilizando-se para fazer lobbies e pressionar partidos, parlamentares e governantes, contra quaisquer mudanças jurídicas a respeito do casamento, da família, da união civil. Esquecer a natureza, como nos propõe J.-A. Miller, para deixar surgir “(...) ‘um’ real arriscado, contingente, na medida em que falta a lei natural da relação entre os sexos”(Miller, J.-A. Opção Lacaniana 63, pp. 12/13). Agora que a natureza deixou de ser o nome do real, se encontra no tema IX Congresso da Associação Mundial de Psicanálise, a se realizar em Paris, em abril de 2014. Aguardamos os próximos números...


Angelina Harari