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ANGÚSTIA,
DO QUE SE TRATA?
XV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
Salvador, 12 a 14 de novembro de 2005
O convite para trabalharmos o tema da
angústia no XV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
extrai toda a sua pertinência dos desafios que a contemporaneidade
propõe à clínica psicanalítica. Os ataques
de angústia que afetam o homem pós-moderno – empanturrado
com os objetos que o capitalismo impõe – inclusive sob a
forma de um estado de pânico que exige uma solução
urgente, vêm introduzindo grandes mudanças na psicanálise
de orientação lacaniana.
No campo das estratégias clínicas, a instalação
e funcionamento de clínicas de atendimento à população,
especialmente implantadas para acolher demandas de urgências subjetivas,
se propõem a produzir efeitos terapêuticos rápidos
que resultem num alívio aos estados de angústia, de maneira
que um sujeito possa encontrar uma outra solução que não
seja a passagem ao ato, nem o mascaramento medicamentoso; ou seja, uma
outra saída que indique para um sujeito o horizonte da dignidade
de uma posição de desejo.
No campo epistêmico, é responsabilidade do psicanalista de
orientação lacaniana produzir uma teoria desta inovação
clínica, elaborando os fundamentos que possam fazer uma leitura
do ato analítico operado nas circunstâncias atuais da clínica
psicanalítica, para que, a partir daí a psicanálise
se mantenha no mundo através do seu próprio avanço
clínico-epistêmico.
“Angústia, do que se trata?” é, assim,
uma questão atual da psicanálise que se desdobra, principalmente,
em duas grandes vertentes: seja o que na angústia recebe um tratamento
terapêutico através da psicanálise?; seja em que consiste
conceitualmente o termo “angústia”? A partir dos fundamentos
lançados por Freud, passando pelas mudanças conceituais
instaladas por Lacan, e até mesmo, pela sua clínica na contemporaneidade,
o que a psicanálise poderá produzir de novo em termos de
uma formulação epistêmica acerca da angústia?
Para aqueles que acolhem esta convocatória que o XV Encontro Brasileiro
do Campo Freudiano enuncia – produzindo trabalhos para nossas discussões,
ou se inserindo nos debates que estes trabalhos venham provocar –
alguns eixos norteadores para o tratamento da angústia foram indicadas
pela Comissão Científica do Encontro:
1) Estruturas Clínicas
– indagar o estatuto e o tratamento da angústia, na neurose,
na psicose e na perversão: Desangustiar? Interrogar? Provocar?
2) Angústia e Sintoma – indicar a passagem
clínica do estado do afeto da angústia para uma pergunta
acerca do desejo, ao fazer consistir o sintoma como uma questão
analítica.
3) Intervenções do Analista e Angústia
– interrogar o estatuto do ato analítico, em seus efeitos,
nos estados de angústia.
4) Sintomas atuais – abertura das questões
da clínica psicanalítica na contemporaneidade: Como pode
o analista operar numa clínica em que a fantasia fracassa? Em que
a chamada ao Outro se evidencia como acting out, ou em que há uma
separação radical do Outro, como na passagem ao ato? Como
um analista se oferece ao uso daqueles que recusam o inconsciente?
5) Angústia do Homem Feliz – um convite
para formularmos o estatuto da clínica psicanalítica no
mundo contemporâneo, no qual presenciamos a força mortífera
e caprichosa do real do gozo que resulta no apagamento do sujeito.
Seguindo a linha norteadora destes eixos
temáticos, o XV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano nos convida
a formular os fundamentos da clínica psicanalítica num tempo
em que impera um novo modo de mal-estar na civilização,
diferente do sentimento de culpabilidade proposto por Freud no seu texto
de l929, no qual o imperativo do supereu se impunha, mais evidentemente,
sob o modo de um imperativo de gozo que já não consegue
esconder sob as vestes de um ideal o seu efeito mortificante.
“Seja feliz e... morra de
angústia”
Um novo imperativo superegóico parece emergir na contemporaneidade,
além do imperativo categórico moral de Kant e além
do imperativo sadiano, aquele que foi desvelado por Lacan como o lastro
de gozo perverso da moralidade. Já não temos um imperativo
moral como uma lei universal que sustente um Ideal que sirva para todos,
assim como já não temos um imperativo de gozo que instala
o sujeito numa posição fantasmática inconsciente
de objeto para o Outro. A voz oculta já não profere: “tenho
o direito de gozar do teu corpo, podes me dizer quem o queira”.
Esta voz já não é tão oculta assim, como também
tenta eliminar toda e qualquer referência de parceria com o Outro.
O imperativo superegóico atual talvez seja mais bem formulado sob
o modo de uma enunciação autista, que diga: “tenho
o direito de gozar de meu próprio corpo”. Para a sustentação
deste imperativo se pode até mesmo tentar prescindir do Outro,
do parceiro encarnado, e fazer com que ele seja virtual, contanto que
sirva para as saciedades do gozo autista.
O parceiro, inclusive, vem sendo substituído pelos objetos de consumo
da sociedade capitalista: são objetos contabilizáveis, descartáveis,
substituíveis, consumidos aos montes, vomitáveis –
assim como nos transtornos alimentares: anorexias, bulimias, obesidades
– em que o sujeito estabelece uma relação de gozo
que não está marcada pela presença da falta veiculada
pelo amor com um parceiro, mas estabelece uma relação de
gozo com os objetos de consumo, com os objetos do mercado de alimentos,
com os objetos virtuais da globalização, produzidos pelo
discurso capitalista, que prometem a felicidade para um sujeito. Assim,
pela via da falência da falta e, consequentemente, pelo declínio
do amor e do desejo, o grande slogan do marketing capitalista poderá
ser traduzido pelo imperativo: “seja feliz e... morra de angústia”.
Lêda Guimarães
Diretora do XV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
Angústia, do que se trata?
Salvador, 12 a 14 de novembro de 2005. |