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Forclusão
da Transferência1
Marcelo Veras2
marcelo.veras@terra.com.br
Resumo: O autor propõe
abordar a problemática da transferência e das novas demandas
da subjetividade atual através de dois eventos que afetaram o Outro
social: a aliança da psiquiatria biológica com a psicologia
cognitiva e a nova lei brasileira para o tratamento da doença mental.
A cientificidade foraclui a transferência, o que provoca seu retorno
em forma de demandas atípicas que a ciência tende a enquadrar.
Isso interessa diretamente à psicanálise tanto na clínica
desenvolvida nos consultórios quanto nos novos espaços onde
a psicanálise tem algo a fazer.
Palavras-chave: Transferência; ciência; saúde
mental.
Abstract: The author’s
proposal is to consider the transference problematic as well as the new
demands of current subjectivity through two events that have affected
the social Other: the alliance between the biological psychiatry and the
new Brazilian law concerning mental illness treatment. Science forecloses
the transference, which provokes its return in atypically demanded forms
that science tries to classify. That fact is directly related to psychoanalysis
not only in the clinic developed in private offices, but also in the new
spaces where psychoanalysis is present and has some to do.
Key words: Transference; science; mental health.
Proponho abordar a problemática
da transferência e das novas demandas da subjetividade atual através
de dois eventos que afetaram o Outro social. A aliança da psiquiatria
biológica com a psicologia cognitiva e a nova lei brasileira para
o tratamento da doença mental. Ou seja, algumas reflexões
sobre a transferência em suas relações com a ciência
e a política. Nas duas situações é possível
identificar aquilo que Habermas chamou de dessacralização
(Entzauberung) das imagens do mundo (Weltbilder)3.
Para ele a racionalização crescente da sociedade está
ligada à introdução do progresso científico
e técnico nas esferas institucionais da sociedade, destruindo as
antigas legitimações, orientando as novas ações
e transformando profundamente o conjunto das tradições culturais.
Estes eventos interessam diretamente a psicanálise tanto na clínica
desenvolvida nos consultórios quanto nos novos e variados espaços
onde a psicanálise tem algo a fazer.
Uma pequena vinheta clínica
Há pouco mais de dois anos um jovem e bem sucedido profissional
me procura no consultório devido aos desdobramentos de uma relação
extraconjugal além de uma dificuldade de concentração,
elemento fundamental em seu trabalho como criador. No momento em que havia
obtido reconhecimento profissional e uma bela e igualmente bem sucedida
esposa envolve-se com uma colega de trabalho gerando uma situação
de impasse quanto ao desejo. Ama sua esposa, mas não consegue desejá-la,
quanto a amante, “trata-se apenas de sexo, da melhor qualidade”.
O encontro com a situação analítica permitiu que
o sujeito abandonasse suas próprias crenças sobre a causa
da impotência sexual diante da esposa fazendo emergir um ponto de
angústia enigmático, promovendo a vacilação
dos questionamentos que esperava formular ao demandar uma análise.
Ele interrompe neste momento as entrevistas sem dar a mínima chance
ao analista de insistir para não abandonar o tratamento. Recentemente
ele retorna ao consultório dizendo-se convencido da necessidade
de empreender uma análise após ter passado por outras tentativas
de psicoterapia e estando, atualmente, em tratamento com um psiquiatra
de inspiração comportamentalista. Ele se diz muito mais
preparado para análise e que neste tempo de ausência procurou
na internet a causa de seu problema de concentração decorrente
de uma “excitação psíquica permanente”.
Pela internet descobriu-se portador de DDA, Distúrbio de déficit
de atenção, e também pela internet localizou uma
instituição onde encontrou seu psiquiatra. As avaliações
a que se submeteu confirmaram seu pré-diagnóstico de DDA
e, apesar de uma relutância inicial, foi convencido pelo psiquiatra
a fazer uso regular “e provavelmente por toda a vida” de Ritalina
para conter sua hiper-excitação.
A Ritalina havia mudado sua vida. Menos excitado e excitável, havia
conseguido melhor concentração e convenceu-se definitivamente
da explicação do médico após ter sido submetido
a baterias de testes que o fixavam 100% no diagnóstico de DDA.
A expressão “Tudo parece andar bem melhor” contrastava
com a mesma urgência com que o paciente voltou a procurar o analista,
pedindo uma consulta o mais breve possível, tal como fizera na
primeira tentativa de iniciar uma análise.
Por que então ele me procurava? A resposta trouxe a tona um resto
que seu médico se recusara a escutar. Por diversas vezes tentou
trazer para as consultas a falta de excitação sexual diante
da esposa recebendo de seu psiquiatra a mesma resposta. Primeiro ele deveria
passar um longo momento tratando-se da DDA para depois começar
a trazer estes assuntos à tona! Enclausurado pelo próprio
psiquiatra, que nada queria saber sobre o sujeito, o paciente tratava
sua excitação com Ritalina sem espaços para falar
do problema que realmente lhe aflige, a saber, uma falta muito particular
de... excitação. Este exemplo é emblemático
dos questionamentos que poderemos fazer sobre a transferência em
uma época que recusa os enigmas, substituindo o Sq do matema da
transferência pelo S1 do discurso da norma. Poderíamos pensar
no primeiro Lacan criticando a superação da conotação
pela denotação. Voltaremos a esta questão mais abaixo
ao falarmos sobre os riscos de uma clínica sem transferência
– se é que ainda poderemos chamá-la de clínica.
Legislando sobre o impossível,
criando novos mundos possíveis.
A partir de 2001, com a lei 10216, que reorienta a modalidade de atendimento
em saúde mental no Brasil, é possível constatar que
o significante “mental” é incapaz de fornecer a síntese
necessária ao funcionamento institucional sem que potentes significantes
mestres sejam perturbados. Esta lei consolida a fusão de dois significantes,
saúde mental e cidadania, holofraseando a estrutura do sujeito
em sua “decisão insondável do ser”. Seguindo
com certo atraso os passos da reforma psiquiátrica em outros países,
ela legitima um novo espaço para a loucura, um mundo possível
recoberto pelas leis. Aprendemos com Freud no texto “O mal-estar
na civilização”, que o mundo das leis exige do sujeito
a condição paradoxal de encontrar seu lugar à custa
da inibição, do sintoma ou da angústia, sabendo que,
pouco importa a resposta, ele estará sempre aquém dos ideais
deste mundo. Ao integrar o louco no mundo da cidadania cria-se mais um
ideal que pesará sobre o sujeito em sua relação com
a instituição. O ideal da re-socialização.
Não há reivindicação de direitos que não
seja presidida pelo imperativo de um ideal. Ou seja, na demanda ao Outro
pelos próprios direitos o cidadão está sempre certo.
Ele tem o Outro como garantia e a identificação como direito
assegurado pelo estado, direito a se identificar. A demanda do sujeito
distingue-se da demanda do cidadão. Ela implica em uma pergunta
singular feita ao Outro visando apenas o seu ser falante, uma demanda
privada que faz do sujeito um eterno traidor do discurso universal. O
cidadão obedece a cálculos coletivos, o sujeito tece estratégias
privadas que portam uma falha de estrutura, o Outro nunca lhe dará
aquilo que ele pede. Haverá sempre entre ele e o Outro o gozo como
diferença irreconciliável. A lei, neste enfoque, se confronta
com uma relação de impossibilidade. Faz-se necessária
uma política do sintoma, única forma de promover a separação
do cidadão ideal dos ideais do sujeito. A transferência fundada
por uma demanda distingue-se, portanto da exigência atual de satisfazer
o sujeito em suas necessidades biológicas, psíquicas e sociais.
Nenhuma política evitará que o sujeito seja um fora da lei
na medida em que o vínculo estrutural da psicanálise o mantém
referenciado ao desejo que excede à demanda.
Tratando-se de sujeitos psicóticos, em sua maioria, os que são
afetados pela nova lei, cabe perguntar que efeitos clínicos e que
efeitos terapêuticos podem ser esperados do novo contexto. Vale
dizer que a cena dominante até então era compartilhada por
dois pólos bastante distintos, mais ou menos estabilizados em seus
princípios de ação. Em um pólo a psiquiatria
que, nas grandes instituições públicas, foi reduzida
paulatinamente à prescrição de farmacoterápicos
e demais instrumentos de ação biológica (incluindo-se
aqui a polêmica ação da eletroconvulsoterapia). E
os movimentos de inspiração na antipsiquiatria que frequentemente
negam a doença psiquiátrica estabelecendo uma causalidade
predominantemente social.
O que parecia inicialmente uma vitória do segundo pólo sobre
o primeiro (mais cidadania e menos clínica) corre o risco no Brasil
de sofrer um grave revés com o debate sobre a lei do ato médico,
uma nova lei que pretende restituir ao médico a exclusividade da
prescrição e diagnóstico das doenças. Esta
lei entrava, sobretudo, o funcionamento da prática interdisciplinar
na saúde mental, causando grandes e acerbadas discussões
entre as diversas especialidades que circulam pelo mundo da saúde
mental. Como definir o espaço para a subjetividade se o debate
atual prioriza os embates corporativos em detrimento da construção
do caso clínico? Fatidicamente recaímos sobre uma cacofonia
discursiva em que o tratamento clínico é disputado ao preço
do sacrifício do sujeito.
Da instituição que
faz sentido à instituição que faz signo
Recentemente um paciente psiquiátrico foi elevado à condição
de ícone das causas antipsiquiátricas. Egresso de anos de
tratamentos hospitalares sórdidos, em hospitais que beiravam presídios,
a estabilização de sua psicose foi possível quando
passou a militar contra o Outro que o mantivera encarcerado. Em suas intervenções
em colóquios e debates apresentava-se como mártir esclarecido
de uma causa ao tempo em que preenchia perfeitamente os ideais do discurso
que o sustentava e promovia. Esta identificação ideal permitiu-lhe
um lugar no mundo sem revelar a astúcia de sua metáfora
delirante. Seu delírio era justamente acreditar que era louco.
Estabeleceu-se, portanto uma curiosa relação transferencial.
Publicamente crítico da instituição, o paciente fez
desta crítica a razão mesma de sua existência.
Esta organização paranóide parece estar no pano de
fundo das novas relações transferenciais nas instituições
públicas. A entrada dos códigos da lei em um espaço
até então segregado pela cultura (o velho asilo psiquiátrico)
produziu novos efeitos de sentido. O hospital trata o paciente. A lei
trata o hospital. O paciente faz a lei.
A instituição passa a ocupar um lugar inédito na
clínica. Podemos seguir as considerações feitas por
Miller na Conversação de Arcachon. Ela deixa de ter que
encarnar um lugar a serviço da restauração do sentido
como exigência terapêutica para ocupar o lugar onde é
possível encontrar os signos para a entrada na matriz do discurso.
Para Miller toda a teoria da transferência está em jogo na
segunda clínica: “trata-se de se fazer de ponto de basta
e de destinatário destes signos ínfimos”4.
Esta seria a variação mais factível para o Secretário
do Alienado no jogo institucional hoje. As queixas e demandas de reforma
se passam em um plano onde é possível uma negociação.
Estabelece-se consequentemente uma relação que se passa
entre o eixo a-a’. É preciso estar atento a esta mudança
no momento de pensar o destino da instituição psiquiátrica.
A babel democrática da militância de diversos discursos em
uma instituição pública é bem diferente da
pureza que pode ser obtida em um hospital psiquiátrico privado,
onde a dominância de um discurso pode ser totalizante. A lógica
comum pode ser invertida. Queixa-se com freqüência de que a
pluralidade do discurso interdisciplinar é infernal, que é
nela que reside a maior dificuldade em fazer existir uma unidade terapêutica
sintetizada no projeto terapêutico individual. Ora, somente o espaço
público e democrático poderá garantir e suportar
o choque dos discursos criando um lugar para o sujeito. Mais o sujeito
é capturado por um único discurso, mais ele tende a ser
eclipsado. Não é possível fazer um cálculo
que garanta o sentido que norteará a clínica das psicoses
em uma instituição, tampouco será possível
apreender a priori a contingência que fez com que tal signo tenha
possibilitado a instalação de transferência para um
caso específico. Somente é possível escutar e aprender
com o próprio paciente um saber fazer que progressivamente restitua
para ele um mundo habitável. Neste sentido a prática da
apresentação de pacientes é fundamental em uma instituição.
Não uma apresentação tal como ela era feita nos tempos
de Charcot, busca-se um espaço para que o sujeito mesmo ensine
o ponto onde a instituição não é total, ponto
onde ela abre mão de suas pretensões holísticas para
reconhecer-se como desejante de algo novo. Esta seria uma estratégia
para substituir a cumplicidade do sentido único pré-estabelecido
pelas diretrizes institucionais por uma busca comum de um trabalho sempre
as vias de ser recomeçado ou desfeito, mas sempre um trabalho permeado
pelo desejo. É isto a transferência de trabalho.
Neste sentido a clínica não pode ser um discurso pedagógico,
ela implica uma ação. Lacan precisamente disse que o que
o salva da pedagogia é seu ato. Livrar o sujeito das identificações
contingentes que o condicionam preservando, contudo, o sintoma. Este é
um princípio lacaniano, uma identificação somente
é necessária quando é sintoma. O desconforto do mundo
moderno diante do sintoma é patente. Alimenta-se a esperança
de poder eliminá-lo com os avanços da ciência. Espera-se
que ele passe despercebido no mundo se for aceito socialmente e as novas
leis de proteção partem invariavelmente da premissa de que
todo sintoma é handicap, déficit. A psicanálise em
uma instituição pode apontar para a impossibilidade de se
encontrar um discurso comum sobre o sujeito. Não alimentar esperanças
de que algum projeto terapêutico interdisciplinar seja possível
e duradouro, mas que ele seja eficaz o suficiente para convocar o sujeito
a subverter o real em jogo no seu sofrimento. O fim do hospital público
pode significar o fim dos debates e a proliferação de instituições
encarceradas em suas certezas privadas.
A transferência à
la carte
A grande variedade de instituições de saúde mental
compõe um cardápio onde se acentua a demanda condicionada
pela identificação. O sujeito busca mais do mesmo. As tendências
atuais, de especificar ao extremo o ambulatório de consulta psiquiátrica,
direciona a demanda segundo princípios de auto-avaliação.
O paciente é formado pela mídia e educado sobre seus sintomas
e doenças prováveis. Munidos de um saber, eles procuram
o ambulatório mais apropriado à sua demanda. Deste modo
os pacientes se dirigem ao ambulatório de depressão, alcoolismo,
TOC, entre outros, criando uma relação onde a transferência
se estabelece obedecendo a leis de consumo. Não se busca resposta
ao enigma, busca-se um saber fazer. Por outro lado é possível
encontrar toda uma gama de psicoterapias onde é o sujeito que escolhe
o modo como quer equacionar sua relação transferencial.
“Quero um terapeuta que me explique tudo”, “Quero um
psicanalista de casais”, etc. Assim, as psicoterapias podem ser
um gadget como qualquer outro.
Em outras situações trata-se de antecipar uma demanda através
dos profissionais do trauma, presentes imediatamente nos locais de catástrofe
buscando prevenir seus efeitos. Fabien Grasser identifica neste movimento
a “prevenção de um real pela sua transformação
imediata em semblante... ocultando a demanda que poderia emergir”5.
É do acontecimento imprevisto que se tem a melhor chance de alcançar
o sujeito, ali onde suas roupagens identificatórias foram insuficientes
para que a estrutura pudesse dar conta do real. A atuação
nestes casos recai principalmente em uma escuta frouxa partindo da hipótese
de que toda catarse faz bem ao sujeito. Tal como ressalva Jacques-Alain
Miller, este semblante de psicanálise não tem nada a ver
com a psicanálise aplicada6
.
Afastando-se deste semblante, a transferência torna-se incômoda
à clínica atual que exige precisão e constância
nas suas avaliações. Uma pequena passagem envolvendo uma
jovem residente de psiquiatria pode nos dar o tom preciso do embaraço.
Chamada para participar do ambulatório de psicoterapias do hospital,
após a intervenção de um supervisor que lhe apontava
dificuldades com a transferência ela disparou “Muito bem eu
até concordei em participar do ambulatório de psicoterapias,
mas havia dito que eu deixaria esta questão de transferência
de lado!”. Percebemos o sonho de uma clínica onde se possa
afastar a angústia inerente à própria transferência.
Maurício Tarrab chamou atenção para o fato de que
a transferência é a entrada em jogo da fantasia inconsciente.
Ela aparece, conseqüentemente, “como pivô e orientação
da interpretação”.
É importante recensear as incidências do retorno no real
da transferência foracluída do arcabouço simbólico
da ciência na medida em que cada vez mais ela se confunde com a
técnica. A presença do sujeito no procedimento científico
é um viés, bias em inglês, que deve sempre
ser eliminado em prol da objetividade do experimento. A importação
deste modelo científico para as práticas clínicas
produziu efeitos inusitados que vão do rebaixamento da demanda
ao estatuto de necessidade à proliferação de curas
espontâneas na esteira das auto-ajudas. Mesmo no coração
da ciência um filósofo como Alan Chalmers constata que é
possível dividir os problemas da mente em “easy problems”,
ligados à consciência e as respostas às experiências
e “hard problems”, a saber, como os processos físicos
no cérebro que foram endereçados pelos easy problems
dão origem aos sentimentos subjetivos7.
Ou seja, o preço que se pagou para que a clínica fosse esvaziada
de sentido é o retorno feroz do sentido em tudo o mais no mundo.
Este retorno encontra sua maior expressividade na ascensão de dois
discursos, o religioso e o jurídico. Novas práticas de separação
do Outro são postas em ação. O sujeito não
mais se satisfaz com a resposta de que é impossível ao Outro
satisfazer sua demanda. Provenientes das mais variadas direções
políticas leis são constantemente propostas visando transformar
o impossível em imperícia. Deste modo, se muitas psicoterapias
são vistas como gadgets, muitas demandas são moldadas
pelos direitos do consumidor. O cidadão repleto de direitos exige
satisfação. A falha do Outro, que é fundamentalmente
falta de sentido, ironicamente se transforma no sentido último
de toda reivindicação de reparação de danos.
Não se trata então de chercher la femme e sim de
chercher la faute!
Voltando ao paciente diagnosticado como DDA, sua capacidade de suportar
a angústia e enfrentar o desencadeamento de uma análise
somente foi possível quando a busca de sentido endereçou-se
novamente a um psicanalista. Ao contrário do psiquiatra cognitivista
este não descartou o sentido sexual, único que poderá
levar o paciente aos descaminhos da associação livre. É
necessário o transcurso de uma análise para que o sujeito
constate que nenhum S1 responderá por este sentido. A relação
sexual não está no horizonte do discurso, ela não
será obtida no final de uma análise. Esta estratégia,
contudo, exige uma temporalidade muito distinta dos ideais de eficiência
e rapidez do mestre moderno. A axiomática moderna, citando Jean-Claude
Milner8,
permite que o amor e o coito possam estar presentes na mesma relação.
Deste modo, o casamento feliz, que antes era uma possibilidade entre outras,
se transformou em necessidade. Enquanto o mundo antigo considerava o prazer
sexual impossível o mundo moderno se estrutura em torno da culpabilidade
de não se ter gozado o suficiente. Inúmeras práticas
terapêuticas se dedicam à maximização do gozo
sexual. O gozo é a norma de um mundo que confunde desejo com insatisfação.
Neste mundo, a transferência foracluída em nome da cientificidade
fará retorno por demandas cada vez mais atípicas, pois toda
atipia rapidamente se converte em norma e será, ou nomeada pela
ciência ou enquadrada por uma lei. Podemos acompanhar o avanço
recente do comportamentalismo neste sentido. Cabe à psicanálise
manter-se presente para garantir ao sujeito o direito de ser mal comportado.
1Esse trabalho foi publicado no CD do Segundo
Encontro Americano do Campo freudiano, Os resultados terapêuticos
da psicanálise. Novas formas da transferência, (Buenos
Aires, agosto de 2005) para contemplar um dos temas do encontro intitulado:
Novas formas da transferência?
2Membro
da Escola Brasileira de Psicanálise.
3Habermas,
J. (1973). La technique et la science comme « idéologie
», (p. 4). Paris: Gallimard.
4Miller,
J.-A. (1997). La conversation. In La Conversation d´Arcachon,
(p. 186). Paris: Agalma.
5Grasser,
F. (1997). Y a-t-il un droit à la castration ? Archives de
l´Envers de Paris.
6Miller,
J.-A. (maio de 2001). Psychanalyse pure, psychanalyse appliquée
& psycothérapie. La Cause Freudienne, 48.
7Vale
a pena acompanhar todo o desenvolvimento do capítulo « The
mind » do livro de Edward O. Wilson, Consilience, the unite
of knowledge, Vintage Books, New York, 1998
8Milner,
J. C. Le Triple du plaisir, (p.65).Verdier, Lagrasse.
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